Há dias, 25 intelectuais portugueses lançaram um manifesto com uma «agenda de prioridades» por estarem insatisfeitos com o actual estado político existente no país, e com o objectivo de estimular o debate político que terá lugar durante a campanha eleitoral.
Por «agenda» os intelectuais em causa entendem «questões prementes», não dirigidas à sociedade civil mas sim aos próprios partidos políticos, em cujas mãos assenta o «nosso presente e o nosso futuro».
Os problemas do manifesto são vários. As «prioridades» do manifesto começam (ponto 1.) com questões de cariz internacional – globalização, Europa, forças armadas exclusivamente internacionais –, e acabam (ponto 8.) com a necessidade de “combate às alterações climáticas”. Escusando-me comentar este idealismo missionário do qual os nossos intelectuais portugueses sempre fizeram prova (não tivesse Santo António nascido em Lisboa mas dedicado a sua vida a salvar vidas fora dela pois “ser português é ser do mundo”, mais precisamente de Pádua, Itália), existe uma atitude que sobressai de todo o manifesto: a desresponsabilização assumida da sociedade civil e da sua chamada “classe intelectual” no actual e no futuro estado político do país, e o subsequente peso esmagador do Estado que daí decorre.
“Apoios” à juventude, aos idosos, à educação, à cultura, à diversidade cultural (aparentemente até a diversidade precisa de muletas políticas para existir, os políticos tem de a “promover”, “estimular”, “multiplicar”: temos a sensação de ouvir falar de um moribundo alimentado a soro que precisa de constantes choques eléctricos para se manter vivo): a esfera civil como um grande laboratório no qual os políticos são exclusivos cirurgiões.
Ler o manifesto é quase uma viagem a Cuba: imaginamos um país em que a fronteira entre espaço público e espaço privado deixou de existir; um país no qual problemas típicos da esfera privada, familiar ou social são entregues à classe política; no qual os próprios fazedores de opinião, os “intelectuais”, renegam a via directa da acção pela crítica aos problemas e pela chamada de consciência da sociedade civil, passando a tratar indirectamente com a classe política, a quem perguntam com um tom arrepiantemente cândido ‘como vão os senhores políticos gerir a nossa vida – todos os campos da nossa vida?’
A «alegria para todos os homens e mulheres que habitam este País», pegando nas palavras do manifesto, não pode depender exclusivamente da classe política e da reflexão que os partidos políticos estejam dispostos a fazer sobre os males que afligem os portugueses. Um Novo Rumo para Portugal implica sobretudo uma radical mudança de paradigma quanto ao papel activo do cidadão na sociedade portuguesa. Um Novo Rumo depende dos portugueses e da sua capacidade em aceitar como contrapartida, pesada mas necessária, maior responsabilidade.