"até me parece, nos EUA, que muitas das pessoas que criticam/defendem o "single-payer" na saúde são as que defendem/criticam os "vouchers" escolares. Pelos vistos, não lhes ocorre que os dois sistemas são fundamentalmente idênticos."
Não concordo. Por dois motivos: 1) é diferente defender vouchers por oposição a um sistema maioritariamente público, na tentativa de aumentar a concorrência entre escolas e a liberdade de escolha, do que defender o 'single-payer' por oposição a um sistema maioritariamente privado, onde já existe concorrência e liberdade de escolha. 2) a saúde é um campo muito mais complexo do que a educação, a começar pela importância da inovação, e o problema do "single-payer" pretendido é que este não pagará indiscriminadamente todas as intervenções médicas (ou seja, não dá x para fazer qualquer intervenção médica, só dá x para fazer algumas intervenções médicas). Isto irá gerar uma nova alocação de recursos que diminuirá as escolhas, muito embora alargue o acesso de alguns a cuidados de saúde mais abrangentes.
Bem, a respeito da comparação entre médicos e veterinários, acho que a diferença é provavelmente relevante.
Quanto à questão da inovação - eu até imagino mais facilmente um seguro de saúde estatal a falhar por excesso do que por defeito, isto é, a pagar tratamentos médicos duvidosos do que a deixar de pagar alguns; afinal, tal corresponde ao comportamento esperado tanto do "burocrata" (maximizar o orçamento do seu departamento) como do "politico" (ser popular).
Nós em Portugal temos uma espécie de "single-payer" reservado - a ADSE. Eu fui beneficiário em tempos, já n~´ao sou.
De qualquer forma, das pessoas que eu conheço que têm ADSE, ouço muitas queixas do género "como demoram muito a pagar, há muitos médicos que não aceitam doentes da ADSE"; mas NUNCA ouvi queixas do género "há muitas coisas que eles não comparticipam" - até costumo ouvir isso mais de quem tem seguro privado (embora possa ser uma questão de estes terem maiores expectativas).
Agora vamos imaginar que uma empresa está a pensar desenvolver um novo tratamento para qualquer coisa.
Temos 3 cenários (bem, temos muito mais que 3, mas pronto):
A - sistema de "mercado livre" B1 - sistema de "single payer" em que o novo tratamento vai ser pago/comparticipado B2 - sistema de "single payer" em que o novo tratamento não vai ser pago
Em termos de lucros dessa inovação, penso que serão maiores no caso B1*, depois no caso A, e finalmente no caso B2 (claro que à priori não se sabe se se vai cair no caso B1 ou no B2).
Assim, penso que não se pode dizer, em abstracto, que os incentivos à inovação sejam menores (ou maiores) num sistema de "single-payer" do que num sitema "privados" - se houver expectativas (provavelmente assentes na experiência passada) de que vai demorar muito até novos tratamentos passarem a ser subsidiados, haverá um desincentivo à inovação; se as expectitivas forem opostas, haverá um incentivo à inovação
*porque muita gente irá "comprar" esse tratamento que não iria se tivesse que o pagar do seu bolso.