A estética dos anjos
Saltando o problema da ausência de argumentação e do facto da adesão a ideias por sentimentos e simpatias, por visões do mundo optimistas ou pessimistas, serem em rigor equivalentes para o observador que não vê a política como uma subcategoria da Estética, há sobretudo no texto de Mexia o problema da ignorância acerca do que é o libertarianismo.
O libertarianismo é uma ideologia, e não um sistema político. Libertarianismo não “é” anarquia, como Mexia parece pensar, mas sim uma filosofia política da qual decorre na prática a necessidade de uma constante atenção e crítica ao poder, e isso, novamente contra a intuição de Mexia, precisamente porque os homens não são anjos. Daí a necessidade de controlo interno dos governos: if angels were to govern men, neither external nor internal controls on government would be necessary. Traduzido numa sistema político, o libertarianismo é compatível com um governo de funções minimalistas, uma minarquia, não advogando necessariamente a anarquia, desde que o Estado cumpra estritamente as suas funções e «deixe as pessoas em paz».
«Regras, códigos, restrições, procedimentos» não são apanágio exclusivo do «pessimista», daquele que está vergado pelo peso da realidade, qual anjo olhando com empatia para Sísifo, e olhando com condescendência o pateta alegre libertário incapaz de ver o cume da montanha. O libertário encara pelo contrário as «regras, códigos, restrições, procedimentos» como atributos inegáveis da realidade política e social humana, solidificando-os sem pudor no conceito de Lei e de Direito. O que o libertário não admite é a arbitrariedade dessas regras sociais politicamente estabelecidas, e muito menos umas regras contingentes que sejam na prática incompatíveis com regras e leis que este considera fundamentais.
Não querendo levar o texto de Pedro Mexia demasiado a sério, dado que é patente que é a estética e não a argumentação que comanda o ímpeto da escrita, uma coisa séria imana do mesmo: o «pessimismo» é deduzido a partir da premissa da necessidade de existência do Estado como se no contrato que se faz com esse prestador de serviço estivesse uma cláusula de cedência total dos poderes e deveres dos cidadãos na gestão das suas vidas privadas, e como se fosse impossível (fatalidade!) ter Estado e ter liberdade privada simultaneamente. Claro que comprometer-se com a atitude libertária de constante crítica ao poder político dá trabalho, e claro que ficar confortável na sua nuvem fatalista enquanto se vai observando resignado o teatro das vidas humanas como se dele não se fizesse parte é menos cansativo (e sempre se converte em material estético). «Mas fácil é a vida dos anjos.»